O mundo reage à Amazônia em chamas

Nasa, ONU e presidente da França reforçam a preocupação sobre as queimadas. Bolsonaro faz troça, mas é obrigado a tomar previdências.Leia também: nenhuma meta do Plano de Resíduos Sólidos foi cumprida; e muito mais

Foto: Araquém Alcântara
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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UMA CRISE AMBIENTAL E INTERNACIONAL

O presidente da França, Emannuel Macron, quer que os países membros do G7 discutam uma pauta urgente: as queimadas na Amazônia. A cúpula acontece neste final de semana, em Biarritz, na França. Em postagem no Twitter ontem, ele disse: “Nossa casa está queimando. Literalmente. A Floresta Amazônica – os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta – está em chamas. É uma crise internacional. Membros da Cúpula do G7, vamos discutir em dois dias este tema emergencial!”

No post, Macron usou uma imagem antiga de uma queimada na Amazônia feita pelo fotógrafo Loren McIntyre. E foi justamente para esse detalhe que Jair Bolsonaro atentou na sua resposta, chamando a foto de falsa, também via Twitter: “Lamento que o presidente Macron busque instrumentalizar uma questão interna do Brasil e de outros países amazônicos p/ ganhos políticos pessoais. O tom sensacionalista com que se refere à Amazônia (apelando até p/ fotos falsas) não contribui em nada para a solução do problema.” 

Mas fotos verdadeirasnão faltam. E, segundo a Nasa, que também monitora os focos de queimada por satélite, não há dúvidas de que os sinais de desmatamento estão aumentando nas últimas semanas. Douglas Morton, chefe do laboratório de ciências biosféricas da agência espacial dos EUA, analisou as imagens e compara o momento atual com o período entre 2002 e 2004, quando o desmatamento anual estava acima dos 20 mil km2 por ano. 

E Macron não está sozinho. Ontem, o secretário-geral da ONU, António Guterres, também tweetou: “Estou profundamente preocupado com os incêndios na Floresta Amazônica. No meio da crise climática global, não podemos permitir mais danos a uma fonte importante de oxigênio e biodiversidade. A Amazônia tem de ser protegida”. Ontem, o Peru decretou estado de alerta para suas florestas na fronteira com o Brasil e a Bolívia, com receio de que incêndios se propaguem. 

Hoje,e ao longo do fim de semana, protestos contra o desmatamento acontecem. A convocação alcança ao menos 40 cidades brasileiras e cinco capitais europeias. O assunto domina as redes sociais no mundo todo. Alguns famosos que, nos últimos dias, se manifestaram sobre o assunto são MadonnaCristiano Ronaldo, Djokovic e Hamilton. Há, inclusive, propostas bastante concretas na onda das manifestações, como um boicote aos produtos brasileiros (na hashtag #BoycottBrazil) e a sugestão de que, por aqui, ninguém coma carne durante um mês.

O medo é tanto que a Associação Brasileira de Produtores de Soja ousou dizer que os produtores rurais são as principais vítimas das queimadas ilegais. Mas quem leu o depoimento escrito pelo biólogo Izar Aximoff, que estudou por anos a recomposição de florestas no Rio de Janeiro após queimadas, sabe que as principais vítimas são outras: “É muito triste ver a floresta totalmente dizimada. Aquele cenário colorido, com flores, sons de animais, pássaros cantando, bichos se movimentando e cheiro de mata dá lugar ao silêncio, a animais carbonizados, a um cheiro de carne queimada, à desolação. Fica tudo preto e você fica sujo com aquele resíduo de carvão.”

Por tudo isso, Bolsonaro se viu obrigado a agir de alguma forma. Se de manhã, antes da manifestação de Macron, ele apostava dobrado, brincando com assunto sério, e acusava Marcelo D2 pela fumaça na região, na noite de ontem, pós-Macron, ele convocou uma reunião de emergência e assinou um despacho que determina que todos os ministérios adotem medidas de combate às queimadas na floresta amazônica. 

As ONGs acusadas de maneira irresponsável pelo presidente de serem responsáveis pelas queimadas preveem uma onda de ações na Justiça contra Bolsonaro pelas queimadas. A propósito: procuradores da República se condenaram ontem as declarações do presidente sobre as ONGs. E a Câmara de Meio Ambiente do MPF enviou um ofício ontem a noite para o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama e o ICMBio solicitando informações sobre ações de fiscalização para combate de queimadas e desmatamento em 2019.  

POLÍTICA ABANDONADA

A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi sancionada há nove anos com a previsão de eliminar lixões a céu aberto até 2014, aumentar os índices de reaproveitamento dos resíduos recicláveis e responsabilizar os grandes produtores de lixo. Nenhuma das metas foi cumprida, diz a matéria do Brasil de Fato. A capital que mais recicla – Florianópolis – ainda tem uma taxa de reaproveitamento de míseros 6%. E ainda há três mil lixões a céu aberto no país.

A solução do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi  anunciar em abril o Programa Lixão Zero, regulamentando a incineração para minorar a destinação incorreta de resíduos. Porém… “O problema é que essa tecnologia emite nanopartículas de oxinas e furanos, substâncias cancerígenas que entram pelo nosso sistema respiratório e têm uma série de impactos, inclusive nas mulheres gestantes”, aponta Elisabeth Grimberg, coordenadora de resíduos sólidos do Instituto Polis. A lei prevê que fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes devem custear a coleta seletiva. Só que em 2015 foi feito um acordo entre o governo e o setor privado que desresponsabilizou as empresas.  

A VOLTA DO CONSU

Não precisa de “Mundo Novo” nem nada. Luiz Henrique Mandetta parece estar bem alinhado ao pleito das empresas e anunciou ontem que vai convocar, pela primeira vez, o Conselho de Saúde Suplementar (Consu) para “desburocratizar” e, assim, “baratear planos de saúde”. A transferência de atribuições da ANS ao Consu é uma bandeira do setor. E o ministro da Saúde sinalizou claramente que o objetivo é flexibilizar as regras de cobertura para tornar viáveis, na visão do mercado, a oferta de planos de saúde individuais. “Atualmente, a lógica não permite que o indivíduo como pessoa física possa adquirir um plano de saúde, basicamente, por uma questão de metodologia. Não é possível que essa metodologia aritmética, econômica e social não apresente uma fórmula que dê conforto para que o indivíduo possa contratar, bem como para o contratante”, afirmou no 24º Congresso da Associação Brasileira de Planos de Saúde.

MULTIVACINAÇÃO

No mesmo evento, Mandetta informou que o governo está preparando para o mês de outubro uma campanha de multivacinação para que as pessoas possam colocar a situação vacinal em ordem. Segundo ele, os registros serão feitos em uma carteira digital. “Porque é muito difícil ter em memória qual vacina e quando tomou, se vai viajar para algum lugar que exige a vacina. O aplicativo de vacinas no meio eletrônico vem para facilitar muito o controle das famílias”, explicou. Em relação ao sarampo, ele disse que a prioridade são as crianças menores de um ano e as pessoas na faixa de 15 a 30 anos, que tomaram apenas uma dose da vacina: “Não adianta vacinar uma pessoa de 70, 80 anos, porque ela provavelmente teve ou entrou em contato com o sarampo na época que não se vacinava, nos anos 50, 60, 70, quando tínhamos epidemias.”

SEM COMUNIDADE

A proposta do Ministério da Saúde de criar uma carteira de serviços essenciais na atenção primária (que está em consulta pública) repercutiu muito menos do que deveria na imprensa. Aqui, há uma análise feita pela pesquisadora da Fiocruz Ligia Giovanella e pelo professor da UFRJ Cassiano Franco Mendes, que também é médico de família e comunidade. Eles fazem muitas críticas ao documento. Destacamos algumas. 

De acordo com eles, uma série de elementos permite inferir que a carteira pretende “servir como instrumento para estabelecer contratos com o setor privado”. Como, por exemplo, o foco nos aspectos econômicos, na busca por eficiência em vez de qualidade e, ainda, a ênfase na necessidade de introduzir conceitos como o de lista de pacientes, algo que tem “sua origem como instrumento para remuneração, outro componente necessário para o estabelecimento de um contrato com um prestador externo qualquer”.

Eles também classificam como “restrita” a integralidade proposta, já que se resume a um rol de ações individuais, sem ênfase na promoção da saúde nem integração da rede assistencial. Notam que o documento sequer menciona os agentes comunitários de saúde, essenciais para articular as equipes com as populações, fazer busca ativa, facilitar o acesso de famílias vulneráveis. Tem mais: “A especialidade em medicina de família e comunidade parece ter sido abolida na carteira de serviços proposta. O termo utilizado é médico de família, sem comunidade”.

EM 2020

A regulamentação da telemedicina deve ser apresentada pelo Conselho Federal de Medicina só em 2020. A estimativa foi dada pelo conselheiro Aldemir Soares, relator da resolução publicada e revogada em fevereiro, durante um evento promovido pelo Estadão.

NO CORPO

Câncer de pulmão, infecções respiratórias, derrame e doenças cardíacas já são reconhecidamente associadas à poluição do ar. Um novo estudo publicado no BMJ Journal of Investigative Medicine acrescenta mais um problema à lista: uma doença ocular. Pesquisadores da Universidade de Medicina da China em Taiwan documentaram que a exposição a dois poluentes atmosféricos comuns (dióxido de nitrogênio e monóxido de carbono) está associada a um risco maior de desenvolver degeneração macular relacionada à idade. Células danificadas na retina levam a uma visão central embaçada e, em alguns casos, à perda de visão em um ou ambos os olhos.

FALTA PESQUISA

Médicos pesquisadores têm sido fundamentais para descobertas na medicina, mas estão em número cada vez mais reduzido. Se, nos anos 1980, 4,7% de todos os médicos se dedicavam à pesquisa, hoje o percentual é de 1,7%. O fenômeno foi evidenciado em um editorial do New England Journal of Medicine, e a Carta Capital conversou sobre isso com o oncologista Marcos André Costa, coordenador da pesquisa científica do Centro de Oncologia do Hospital Oswaldo Cruz. Ele diz que a situação no Brasil é ruim: há dez anos estávamos na 17ª posição no ranking mundial de pesquisa clínica, e hoje estamos no 24º lugar, participando de apenas 2,1% das pesquisas em curso.

ELOGIOS

Drauzio Varella escreveu mais um artigo em defesa do SUS, retomando um pouco a história do Sistema. Diz que, há 30 anos, a ideia de saúde gratuita universal “parecia divagação de sonhadores”, e ele achou “que levaríamos décadas até dispor de recursos financeiros para a implantação de políticas públicas com tal alcance”. “Menosprezei a determinação, o compromisso com a justiça social e a capacidade de convencimento desses precursores”, reconhece, lembrando que o Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que ousou construir um sistema assim.

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