
O processo conturbado que envolveu a liberação da vacinação infantil contra a Covid-19 no Brasil não terminou com o envio das primeiras remessas de doses pediátricas pelo Ministério da Saúde. Secretarias de Saúde de pelo menos cinco estados relataram problemas graves na logística de transporte sob o comando do governo federal na última sexta-feira. Em alguns casos, as falhas quase comprometeram lotes inteiros de imunizantes.
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Pernambuco, Paraíba, Bahia, Minas Gerais e Tocantins enfrentaram diferentes obstáculos que envolveram desde atrasos até o abandono da carga pela empresa responsável pelo transporte das doses. Os problemas, no caso do primeiro estado, começaram já na madrugada de sexta-feira.
Desde o início da campanha de imunização contra a Covid-19, em janeiro de 2021, a distribuição de vacinas no Brasil se dá da mesma forma: os imunizantes chegam do exterior, são armazenadas no depósito do Ministério da Saúde no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, e despachadas para todas as unidades da federação. Os estados supervisionam a entrega nos aeroportos das capitais, e uma empresa contratada pelo governo federal transporta a carga até a central estadual, responsável pela distribuição para todos os municípios.
Nos últimos 12 meses, a responsável pelo deslocamento entre os aeroportos e os depósitos dos governos estaduais foi a empresa VTCLOG. Dessa vez, contudo, as secretarias foram surpreendidas com uma nova companhia, a IBL, com sede em Guarulhos. Em alguns estados, secretarias relataram que a empresa simplesmente não apareceu. Outros relataram que a IBL não conferiu a integridade dos lotes e a temperatura das vacinas, o que é de praxe antes da liberação do material.
Procurado, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) confirmou que pelo menos quatro estados enfrentaram obstáculos nas entregas de vacinas. Para a superintendente de imunizações de Pernambuco, Ana Catarina Melo, a mudança na prestadora de serviços em uma etapa sensível da vacinação de brasileiros e sem comunicar os estados foi uma decisão equivocada. Os problemas levaram ao atraso do início da imunização de crianças no estado.
“É muito amadorismo mudar a empresa logística numa situação como essa. Tiraram uma empresa com know-how e colocaram outra que está entrando agora nessa área? Vacinas são um produto que precisa ser monitorado”, disse Ana Catarina à equipe do blog. “Estou à frente da gestão estadual há dez anos e nunca vi algo parecido. É uma péssima forma de comemorar os 12 meses de imunização contra a Covid no país”.
A superintendente relata, em consonância com outros estados, que o Ministério da Saúde enviou o planejamento de voos apenas na véspera do início das entregas. No caso de Pernambuco,as vacinas da Pfizer chegariam às 1h20m da madrugada de sexta-feira. Após a mobilização da secretaria de Saúde no aeroporto, as equipes receberam relatos em grupos de WhatsApp de que a IBL só funcionaria até às 19h. Nem mesmo o ministério soube orientá-los, segundo Ana Catarina.
Por fim, o governo pernambucano foi informado de que as vacinas só chegariam ao Recife às 10h40m. Ao retornarem pela manhã, os funcionários da secretaria tiveram uma nova surpresa: a empresa responsável pelo transporte não estava presente. Segundo a superintendente, a IBL informou que o caminhão já estava no aeroporto, o que não havia acontecido.
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Depois, recebeu uma comunicação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde informando que a responsabilidade do transporte sempre fora do governo estadual. Por fim, o veículo da empresa só chegou próximo das 14h, quando a temperatura das doses já havia baixado consideravelmente - e com um furgão de pequeno porte, no lugar de um caminhão.
“A vacina chegou a -48°C. O ideal seria entre -70°C e -90°C. Entramos em contato com o Ministério da Saúde e a orientação foi colocar imediatamente na faixa de 2 a 8°C na central estadual. Se tivéssemos esperado mais tempo, provavelmente iria comprometer a estabilidade da vacina. Se fosse um lote maior, haveria uma chance grande de perdermos doses, porque nessa temperatura elas duram apenas uma semana”, explica Ana Catarina. “Isso nos deixa angustiados para as próximas remessas. Estamos em uma emergência sanitária. O tempo é ouro”.

No estado vizinho da Paraíba, os problemas se repetiram. Dessa vez, não houve problemas quanto à logística do voo, mas a secretaria de Saúde também teve problemas com a IBL. A pasta informou que houve espera de 2h30 entre a chegada do avião em João Pessoa e o transporte dos imunizantes. O órgão informou que não houve prejuízos quanto à estabilidade das doses.
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Já na Bahia, a secretaria de Saúde relatou três reprogramações de voos, o que, segundo a pasta, acarretaram em dificuldades logísticas. A chegada estava prevista para 1h20m da manhã de sexta-feira, mas acabou ocorrendo apenas às 14h40m. Também houve oscilação das doses. Em consequência dos desencontros, não houve distribuição aérea das vacinas para os municípios baianos.
A secretaria informou ainda que, diante da demora na entrega das vacinas ao centro de distribuição e armazenamento de imunizantes, em Simões Filho, região metropolitana de Salvador, enfrentou dificuldades na comunicação com a IBL.
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No Tocantins, o governo foi surpreendido por uma troca de voo de última hora. Mas, segundo apurou o blog, a empresa sequer chegou a aparecer no aeroporto de Palmas. De acordo com a secretaria de Saúde, foi necessário que um representante do Ministério da Saúde no estado buscasse as vacinas para levá-las à central estadual. Em Minas Gerais, houve mudança de voos em relação ao planejamento do ministério, segundo a secretaria de Saúde, sem intercorrências no deslocamento.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que investiga as falhas relatadas pelos estados. Em nota, a pasta afirmou que não houve prejuízo a nenhum dos imunizantes pediátricos entregues na primeira remessa e que "prestou toda assistência aos entes federados no processo de envio da doses".
Indagado sobre a troca da empresa em um momento crítico para a proteção da população infantil, a Saúde alegou que a IBL foi contratada em um processo seletivo no qual concorreram diversas empresas, inclusive a VTCLOG, que ainda cuida dos contratos de vacinas Pfizer aplicadas em adultos. "O contrato com a IBL prevê o transporte a temperaturas ultra frias, na faixa dos 60°C aos 90° C negativos, como exige o imunizante pediátrico para que se mantenha a validade original e que não está previsto no atual contrato com a VTCLOG", justificou.
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A equipe do blog também procurou a IBL para comentar os problemas relatados pelas secretarias estaduais. Em nota, a empresa afirmou que “recebe com estranheza a informação sobre dificuldades de comunicação” e alegou que “todo processo logístico que envolveu a entrega das vacinas pediátricas pela IBL Logística transcorreu nos mais altos padrões de segurança exigidos”, incluindo “um contingente considerável de profissionais”.
“Sugerimos, portanto, que outras informações que fujam do nosso escopo sejam esclarecidas junto aos membros do Ministério da Saúde envolvidos com esta operação”, seguiu a nota.
Atualização às 20h13m: A reportagem foi atualizada com a nota encaminhada pelo Ministério da Saúde à equipe do blog.