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Depois de apontarem esvaziamento do Arquivo Nacional por decreto de Bolsonaro, chefes são exoneradas

Medida foi anunciada no último dia de 2021 depois de novo reunião com diretor, praticante de tiro que tem currículo na área de segurança do BB e do DF
Fachada do Arquivo Nacional. Foto: Guilherme Pinto/28-12-2017
Fachada do Arquivo Nacional. Foto: Guilherme Pinto/28-12-2017

O diretor-geral do Arquivo Nacional, Ricardo Borda D’Água, exonerou duas servidoras consideradas peças-chave do órgão na gestão de documentos de repartições federais. A medida atingiu Dilma Cabral, destituída do cargo de supervisora da equipe do projeto Memória da Administração Pública Brasileira, e Cláudia Lacombe, supervisora de Gestão de Documentos Digitais e Não Digitais. As duas e mais três servidores foram realocados em outras áreas na instituição ou devolvidos aos órgãos de origem.

As exonerações foram em 31 de dezembro, nove dias depois de uma reunião em que ambas disseram a Borda D’Água estarem preocupadas com o esvaziamento do Arquivo, em especial na gestão de documentos da administração federal. Dos quatro participantes do encontro, três sofreram retaliações: Alex Holanda, ex-supervisor da equipe de permanência digital, também foi remanejado.

A Associação dos Servidores do Arquivo cobra explicações do diretor-geral, que foi procurado pelo GLOBO mas não respondeu aos questionamentos. Para um dos dirigentes da associação, Victor Madeira, a saída das duas representa mais um episódio no desmonte da política nacional de arquivos:

— Perde-se em acúmulo de conhecimento, de experiência e de execução de propostas elaboradas após anos de trabalho.

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A maior preocupação de Dilma e Cláudia era com a eliminação indiscriminada de documentos federais sem aprovação prévia. A situação foi criada pelo Decreto 10148, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em 12 de agosto de 2019, que tirou do Arquivo a responsabilidade de aprovar ou não a eliminação.

Segundo os servidores da instituição, um hospital universitário federal, por exemplo, eliminou no ano passado cerca de 400 mil prontuários médicos sem uma consulta prévia. Alegou, ao ser cobrado, que seguiu os critérios fixados em lei, mas não enviou ao Arquivo o termo de eliminação. Para as técnicas, os prontuários eram fontes de pesquisa científica, contribuindo na formulação de políticas públicas.

Outro foco de tensão é a eliminação de documentos financeiros, especialmente os que servem para prestação de contas. Pelas regras, esses papéis só podem ser destruídos após cinco anos da aprovação das contas pelo Tribunal de Contas da União. Mas os funcionários do Arquivo Nacional contam que já descobriram casos de eliminação de documentos de unidades que sequer tinham sido julgadas pelo tribunal.

O Arquivo tem hoje duas grandes áreas: processamento técnico e gestão de documentos. Cláudia liderava um programa voltado para a capacitação de servidores federais na gestão de documentos. Um dos objetivos era ajudar equipes a decidir o que deveria ser guardado.

Nomeação polêmica

Funcionário aposentado do Banco do Brasil, Borda D'Água foi nomeado no mês passado, medida que aprofundou a crise vivida há quase três anos na instituição. Ex-chefe de segurança do BB, ex-subsecretário de Segurança Pública do Distrito Federal, atirador esportivo e agraciado como “colaborador emérito” do Exército, é visto como um estranho no setor. Sua nomeação aumenta as desconfianças da classe sobre o destino de documentos públicos, especialmente os que tratam do período do regime militar (1964-1985). Há temor sobre o futuro do projeto Memórias Reveladas, lançado para produzir conhecimento com base nos arquivos do regime militar.