Saúde

'É preciso despolemizar o tema do fim da pandemia', diz novo presidente do Conass

Empossado há duas semanas, o secretário de Saúde do Espírito Santo diz que há ambiente de retomada do diálogo com Ministério da Saúde
Nésio Fernardes, novo presidente do Conass Foto: Conass/Divulgação
Nésio Fernardes, novo presidente do Conass Foto: Conass/Divulgação

BRASÍLIA — Recém-empossado como presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Nésio Fernandes de Medeiros Junior assumiu o cargo há pouco mais de duas semanas com a missão de negociar o fim do estado de emergência em saúde no país, tratado como "fim da pandemia" pelo presidente Jair Bolsonaro. Na avaliação de Fernandes, é possível chegar a um acordo nos próximos meses se os indicadores de casos, de internações e de mortes pela doença permanecerem em queda, além de se criar uma estratégia permanente de vacinação.

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— É preciso despolemizar o tema. O fim da pandemia, do ponto de vista administrativo, segundo regulamento sanitário internacional, é uma definição que deve ser adotada pelo diretor-geral da OMS (Tedros Adhanom), subsidiado pelo comitê de crise, que vai dizer quando a pandemia acabou . No entanto, precisamos trabalhar com o tratamento do estado de emergência, que, de fato, pode ser levantado ao longo deste ano, porque já não serão mais necessárias as prerrogativas de autoridade pública ampliadas.

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, o secretário de Saúde do Espírito Santo analisa que após um período marcado por discordâncias em relação à condução da pandemia, o Ministério da Saúde, estados e municípios hoje têm uma relação de harmonia.

— A grande parte das medidas necessárias adotadas por governadores e prefeitos foram combatidas por forças políticas em todos os estados e grande parte delas mobilizadas por importantes autoridades públicas nacionais do país. Então, nós não vivemos ao longo da pandemia um contexto onde o ambiente institucional, político, ideológico, espiritual da nação estava coeso em torno de medidas eficazes contra o vírus — afirmou.

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A seguir, leia os principais trechos da entrevista:

Qual a tendência da pandemia para os próximos meses no Brasil?

Se não surgir uma nova variante de preocupação e nós conseguirmos manter o ritmo de vacinação num patamar melhor do que temos hoje, nós caminhamos para ter um ano com controle do comportamento da pandemia em termos de novas internações por semana, novos óbitos e novos casos. Nós sabemos que, após cinco, seis meses da última vacina, a proteção das vacinas cai de maneira muito significativa, principalmente para casos leves, ainda mais no contexto da circulação da Ômicron. Precisamos que as estratégias de vacinação sejam permanentes, anuais e que esse dilema de quem vai se vacinar todo ano ou não deve ser definido neste ano. Existe uma programação com a indústria para as aquisições das vacinas para poder garantir que a principal estratégia de prevenção contra uma doença infectocontagiosa não tenha um esquema que torne a população brasileira vulnerável à circulação do vírus. A gente precisa entender que a ampla cobertura vacinal permite, sim, uma agenda de retomada plena das atividades econômicas e sociais.

É possível falar em fim da pandemia?

É preciso despolemizar o tema, porque o fim da pandemia, do ponto de vista administrativo, segundo regulamento sanitário internacional, é uma definição que deve ser adotada pelo diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom), subsidiado pelo comitê de crise, que vai dizer quando acabou ou não. No entanto, nós precisamos trabalhar com o tratamento do estado de emergência, que, de fato, pode ser levantado ao longo deste ano. Nós temos tratado com o Ministério da Saúde que é necessário preparar o país para o fim do estado de emergência, porque, sem dúvida, será alcançado caso não ocorra o surgimento de novas variantes de preocupação com escape vacinal.

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Como o fim do estado de emergêncua pode impactar os estados?

Nós temos um conjunto de prerrogativas ampliadas no contexto do estado de emergência. Elas são fundamentais para a gente conseguir fazer uma gestão adequada da pandemia tanto no que diz respeito àquilo que a gente pode recomendar, como o uso de máscara obrigatório, fazer compras emergenciais, contratações excepcionais... Quando surge uma nova onda, nós temos que decidir rapidamente, por exemplo, a mudança do perfil de hospitais do dia para noite. Nós temos que, sem o tempo necessário para poder fazer uma devida motivação administrativa, o recálculo do preço do contrato com uma organização social, com hospitais filantrópicos, privados... A gente precisa, num contexto fora da emergência, fazer diversos tipos de cotações. Uma instrução processual e uma fundamentação administrativa que exigem um tempo que nós não temos na resposta à emergência. De fato, o estado de emergência garante que a gente consiga fazer com que o sistema de saúde responda de maneira mais rápida e oportuna dentro desse contexto.

Como os estados têm se preparado para esse cenário?

Nós temos uma proposta de aguardar pelo menos 60, 90 dias de plena estabilidade, sem surgimento de novas variantes, avançando na vacinação enquanto todos os estados e municípios, a Anvisa, os órgãos da medicina do trabalho, o Ministério Público do Trabalho, as instituições que se prepararam para este contexto de emergência se organizem para o levantamento dele. Então, isso é possível desde que tenha uma condução clara e uma comunicação por parte do ministério a sociedade.

A maioria dos estados já flexibilizou o uso de máscaras e o Ministério da Saúde lançou diretriz no ambiente de trabalho. O Conass planeja alguma orientação unificada nesse sentido?

Não foi possível a coesão e a homogeneidade das medidas sanitárias, principalmente as não farmacológicas, em todos os estados. Então, não será agora que isso será possível. A carência de uma coordenação nacional e as vicissitudes que existem no contexto das disputas políticas em cada estado são muito complexas para que uma pactuação interfederativa dê conta de responder todas as questões que se vinculam às particularidades de cada estado. Nós não temos expectativa de que, neste momento, a gente teria uma pactuação nacional que homogeneizasse a desobrigação do uso de máscaras em todos os estados. Esse tipo de medida só consegue ser tomada quando existe uma coordenação nacional que dê coesão a todos os atores e que pacifique todos os campos políticos. A grande parte das medidas necessárias adotadas por governadores e prefeitos foram combatidas por forças políticas em todos os estados e grande parte delas mobilizadas por importantes autoridades públicas nacionais do país.

A que o senhor se refere quando fala em falta de coesão nacional e diretriz unificada aos estados?

Houve, por parte do presidente da República, uma decisão de não coordenar a pandemia. O STF nunca retirou do governo federal as prerrogativas de ser o articulador da federação, o coordenador das políticas nacionais. A Presidência deslegitimou as medidas necessárias adotadas por prefeitos e governadores, combateu e mobilizou bases políticas e sociais para poder politizar e polarizar essas medidas de modo que a gente não conseguiu ter a coesão de toda a população naquilo que poderia preservá-la dos riscos de infecção, de internação e de óbito. Não era possível você pegar e colocar num estádio as pessoas que seguiam o presidente e, em outro, que seguiam. Elas estão vivas na sociedade e grande parte dela se organizam em polos de poder político. O país não teve essa coordenação nacional. Quando você tem como presidente da República que insiste em questionar a eficácia das vacinas e criar teses conspiratórias sobre a origem do vírus, sobre os interesses de governadores e prefeitos em torno da pandemia... Nós, de fato, temos um cenário extremamente complexo para a gestão dela.

Nesse cenário de arrefecimento da pandemia, o que a população deve entender sobre a Covid-19?

Deve entender que o vírus continua sendo transmitido da mesma maneira, pelas vias respiratórias, que o vírus ainda implica em risco de vida para pessoas, principalmente não vacinadas. No entanto, a gente precisa que a população celebre junto com todos nós o fato de que estamos conquistando a principal medida esperada com a vacinação, que é a redução dos óbitos, das internações e das sequelas. Sem dúvida, foi uma grande conquista do Sistema Único de Saúde.

Como os estados devem lidar com a demanda represada na pandemia por outras doenças?

Os estados estão se programando para uma retomada ampla, geral de procedimentos eletivos. No entanto, existe uma complexidade que são os tetos fiscais e a capacidade de financiamento desta retomada. Nós não temos, dentro de um plano de retomada dessas atividades, uma proposta concreta do Ministério da Saúde para o financiamento pleno tanto das linhas de cuidado do pós-Covid como também das outras condições (como cirurgias e procedimentos oncológicos) que se tornaram represadas ao longo desses dois últimos anos.

Quais seriam as possíveis soluções para isso?

O financiamento mais ousado e robusto da estrutura hospitalar que não foi habilitada. Nós temos, ainda, muitos leitos que não conseguiram ser habilitados e que correm risco de serem fechados compondo uma redução da capacidade de resposta dos estados. Nós temos um financiamento da média complexidade ambulatorial, especialmente vinculados à reabilitação física e fonoaudiológica. Se os estados e municípios quiserem garantir acesso a essas especialidades, vão precisar fazer, basicamente, com recursos próprios, porque não está colocada uma agenda para a organização desse serviço de saúde dentro do estado.

O senhor tomou posse no Conass em 23 de março. Quais os planos para a gestão?

Nós temos um ano que tem três momentos muito bem definidos: o da gestão da pandemia, com a etapa de reabilitação, quando vamos precisar superar o estado de emergência. Temos a convicção no Conass de que a gente precisa construir uma carta de compromisso a todos os presidenciáveis de todos os campos políticos em que nós pretendemos apresentar uma série de diretrizes e compromissos, inclusive com uma agenda para a primeira CIT (Comissão Intergestores Tripartite) de 2023. O ano precisa começar em janeiro com uma agenda clara para a saúde pública do país e que ela consiga ter o apoio não somente do campo político do presidente eleito, mas de qualquer espectro entre a direita e a esquerda de que essa agenda possa ter o apoio de todos os campos políticos.

Como está o diálogo dos estados com o ministério?

Nós temos um diálogo muito republicano e uma unidade administrativa que sempre é tratada com muito zelo. Nós tratamos de evitar polêmicas e desgastes na condução administrativa do sistema de saúde. De fato, fazer com que Conass e Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) se manifestem numa posição de polarização, de beligerância, de conflito com o ministério, é necessário muito esforço político por parte do Ministério da Saúde para que esses momentos aconteçam. Infelizmente, aconteceram ao longo da pandemia. Nós entendemos que, neste momento, há um ambiente de retomada das pontes de diálogo, dos canais de comunicação com o ministério.