Impactos do “fim da pandemia” e vacilações do governo

Poderiam cair 168 portarias relacionadas à calamidade, causando confusão. Até as vacinas dependem do estado de emergência – terão que ser revalidadas? O sanitarista Arthur Chioro critica o anúncio de Queiroga

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Imagem: Sérgio Lima/Poder360
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Criticado por entidades médicas e pesquisadores da Saúde, o ministério da Saúde anunciou que pretende, até o final de junho, declarar o fim do estado de emergência, instituído no país desde 2020. É verdade que, por enquanto, a pasta parece concentrada em identificar as diversas normas criadas durante a calamidade – a saída da emergência poderia ter impacto importante na vida nacional. A autorização para uso das vacinas, por exemplo, está condicionada ao estado de emergência, então pode ser invalidada. Também pode haver revogação de benefícios trabalhistas, como o direito de se ausentar do trabalho, caso se tenha covid, sem perder o pagamento. Quanto aos processos de compras públicas, podem desaparecer facilidades criadas em função da pandemia.

Atreladas à vigência da chamada Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) em diversos órgãos do governo, há 168 portarias, de vários tipos, que seriam invalidadas com o rebaixamento do status da pandemia para endemia. Segundo reportagem do Globo, o ministro Marcelo Queiroga fala em transição “nada abrupta”. Mas já há perspectivas de serem reavaliadas, no curto prazo, antes mesmo de uma eventual saída do estado de emergência, algumas regras como restrições de exportações de insumos ligados ao enfrentamento da pandemia, facilitações para importação de medicamentos e regras excepcionais para trânsito nas fronteiras.

São várias as preocupações. Uma é evitar que imunizantes com autorização provisória deixem de ser permitidos no país, como o da Janssen e da CoronaVac. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável pela permissão, não esclareceu essa questão. Em resposta ao Globo, disse apenas que está acompanhando os movimentos mundiais sobre as flexibilizações, bem como os dados do cenário epidemiológico. Os impactos trabalhistas afetam áreas diversas, como a norma que estabelece direitos aos entregadores de aplicativos durante a pandemia, determinando que as empresas paguem ao profissional afastado por covid uma ajuda financeira.

O fato é que experiências interessantes em políticas públicas podem acabar. Por isso, técnicos do ministério avaliam prever – na portaria que extinguir o estado de emergência – gatilhos que possam ser acionados em caso de uma piora das contaminações pelo vírus (em função, por exemplo, de uma eventual nova variante). E também se preocupam em ter uma base segura e científica para deixar a pandemia para trás. Dados epidemiológicos são necessários: segundo estudo publicado na revista The Lancet, na última sexta-feira, 11/3, mortes podem ter sido o triplo do notificado à OMS, o que expõe a grave crise de subnotificação.

Em artigo veiculado pela CartaCapital, o ex-ministro da Saúde, médico e sanitarista, Arthur Chioro, se opõe fortemente à agilidade do governo em deixar a pandemia para trás: “Não cabe a um ministro decretar o fim da pandemia. Ainda mais quando apenas 13,6% das pessoas que vivem em países de baixa renda receberam ao menos uma dose de vacina. Poderiam contribuir para o seu fim se fizessem algo pela saúde global ou pelos mais de 60 milhões de brasileiros que não tomaram a vacina ou estão com esquemas vacinais incompletos”.

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