Bolsonaro sanciona lei que regulamenta telemedicina a 4 dias do fim da gestão

Legislação diz que profissionais terão autonomia para decidir sobre o uso da prática, e pacientes poderão recusá-la

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São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou nesta terça (27) a lei que regulamenta a prática da telessaúde no Brasil e estabelece critérios para o atendimento a distância. O texto havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 13.

A telessaúde engloba, além da medicina, atendimento remoto em enfermagem, fisioterapia e psicologia, por exemplo. A modalidade foi permitida em caráter emergencial durante a pandemia de Covid-19, em 2020, e a partir de 2023 estará dentro de uma nova pasta que será criada na gestão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e chefiada pela professora e ex-primeira-dama de São Paulo Ana Estela Haddad.

Atendimento oftalmológico por telemedicina realizado em clínica da família no bairro Restinga, zona sul de Porto Alegre (RS) - Marcos Nagelstein-15.jun.2018/Folhapress

Entre as regras estabelecidas pela nova legislação estão a autonomia do profissional de saúde para decidir sobre o uso da prática, inclusive em relação à primeira consulta.

Ela também garante o direito da recusa ao atendimento na modalidade a distância pelo paciente e a confidencialidade dos dados.

Os atos do profissional de saúde terão validade em todo o território nacional, e caberá aos conselhos federais a responsabilidade pela normatização ética da prestação dos serviços remotos.

Além disso, norma que pretenda restringir a telemedicina deverá demonstrar a imprescindibilidade da medida para que sejam evitados danos à saúde dos pacientes.

A nova lei foi comemorada pelo setor da saúde. Em nota a Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que reúne 14 grupos de operadoras de planos de saúde (41% do mercado), disse que a nova lei representa um avanço e ampliará o acesso no país. Desde março de 2020, as associadas à Fenasaúde realizaram mais de 11 milhões de consultas de telessaúde.

Para o médico Caio Soares, presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital, a lei é muito positiva. "O texto foi muito discutido durante dois anos e meio com entidades civis e conselhos de classe e reflete bem as necessidades atuais."

O fato de a legislação se ater aos princípios básicos para a prestação dos serviços e deixar em aberto algumas questões técnicas que precisam ser bem mais discutidas é um outro ganho, segundo Soares, porque, do contrário, já nasceria engessada.

Entre as questões estão o formato e o modelo das prescrições eletrônicas e quais ambientes, fora os consultórios, a telemedicina pode ser praticada. Por exemplo, há uma discussão se as consultas virtuais podem acontecer dentro de shoppings, de supermercados e de farmácias.

Atualmente, por exemplo, a consulta médica não é permitida dentro das farmácias. Esses limites deverão ser debatidos no âmbito da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Conselho Federal de Medicina.

Pela norma, é obrigatório o registro das empresas intermediadoras de serviços médicos, assim consideradas as pessoas jurídicas que contratam, de forma direta ou indireta, profissionais da área médica para o exercício da telemedicina, bem como o registro de um diretor técnico médico dessas empresas, nos conselhos regionais de medicina dos estados em que estão sediadas.

Atualmente há mais de cem empresas praticando telessaúde no país, sem contar as startups, segundo dados da Saúde Digital Brasil. Em 2021, foram realizadas 14 milhões de teleconsulta. A expectativa é que 2022 encerre com 30 milhões.

"No próximo ano, isso deve continuar crescendo porque a taxa de recorrência é muito alta. Dos que usam uma vez, 80% voltam a usar de novo. Os médicos que ainda eram resistentes durante a pandemia de Covid-19, passaram a ser usuários da ferramenta.

Dados da entidade mostram um índice de resolutividade das teleconsultas de 94%. Ou seja, só em 6% dos atendimentos são encaminhados a um pronto-socorro ou a um especialista com atendimento presencial.

A expectativa é que, a partir desta nova lei, haja ampliação dos serviços de telessaúde também no SUS. Segundo Zeliete Linhares Leite Zambom, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, o uso adequado da ferramenta na atenção primária à saúde aumentará o acesso.

"Há muitas questões triviais do dia a dia que poderiam ser resolvidas mais facilmente por teleconsulta, não precisaria a pessoa ir até a unidade de saúde e ficar horas esperando por atendimento."

Ela lembra que a atenção primária prevê um atendimento longitudinal (ao longo tempo) e um planejamento de coordenação de cuidados das pessoas, que podem ser dificultados com os serviços a distância, além dos casos que necessariamente demandam atendimentos presenciais.

"Mas também pode ser o momento de fazer um vínculo com pessoas que não conseguem chegar até uma unidade de saúde. Hoje a gente tem uma clientela que vai muito além do nossa capacidade."

A médica reforça, porém, que será preciso avaliar e se adaptar às realidades de cada local. Por exemplo, há pessoas que não têm smartphones e que não poderão receber ou fazer videochamadas.

Para Chao Lung Wen, chefe da disciplina de telemedicina da Faculdade de Medicina da USP, o ensino superior deverá se adaptar à nova realidade. "Ao se tornar lei, basicamente, todas as faculdades da área de saúde e as residências médicas e multiprofissionais precisarão incluir a telessaúde como matéria obrigatória, pois é função das instituições ensinar sobre o SUS", disse em nota da USP.

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