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Colunistas convidados escrevem para a editoria de Opinião do GLOBO.
Informações da coluna
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Artigos
Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.
O desmonte do Código Florestal, artigo por artigo
As patranhas dos ruralistas chocam, mas não surpreendem. O que não dá para entender é o papel do governo Lula
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Em 2012, quando a flexibilização do Código Florestal foi aprovada no Congresso, representantes do agronegócio comemoraram. Ali estava, diziam, uma lei que enfim “pacificaria o campo” e concederia “segurança jurídica” aos produtores rurais que haviam sido “empurrados para a ilegalidade” por uma legislação ambiental “draconiana”. Juraram virar a página, zerar o jogo e cumprir a regra dali para a frente.
Ou mentiram ou mudaram de ideia. Desde a sanção da lei florestal por Dilma Rousseff, em maio de 2012, o agro e seus representantes na Câmara e no Senado vêm se esforçando para torná-la letra morta. Primeiro, manobrando para adiar eternamente sua aplicação. Mais recentemente, desmontando-a artigo por artigo.
A bancada ruralista não aceita que o Brasil tem inscritos em lei (há 90 anos) percentuais obrigatórios de proteção de vegetação nativa em propriedades privadas. Desde o final dos anos 1990 tenta acabar com eles. A investida mais recente foi durante o governo Bolsonaro, quando dois senadores da extrema direita propuseram um Projeto de Lei para simplesmente extinguir a reserva legal no país. A gritaria mundial contra o ecocídio bolsonarista derrubou o PL, mas não as intenções. A bancada decidiu, então, que atacaria o Código Florestal mais discretamente, em fatias. Vem sendo assustadoramente bem-sucedida.
Ainda em 2019, o Congresso aprovou uma lei retirando o prazo para inscrição de proprietários no Cadastro Ambiental Rural. No limite, isso significava que as multas por desmatamentos passados poderiam ficar sem cobrança eternamente. A barbaridade foi corrigida em 2023, mas ainda assim os fazendeiros ganharam 12 anos para se regularizar (o prazo original era 2013, o novo é 2025). Em 2021, outra lei eliminou a necessidade de proteger vegetação em áreas urbanas. E, em março deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou o PL 364/2019, que elimina a proteção a formações não florestais, deixando pelo menos 48 milhões de hectares de vegetação nativa sujeitos a desmatamento em todos os biomas.
E não termina aí: há pelo menos 50 projetos de lei em várias fases de tramitação nas duas Casas destruindo vários dispositivos do Código Florestal.
As patranhas dos ruralistas chocam, mas não surpreendem. O que não dá para entender é o papel do governo Lula, cuja articulação política aparentemente assiste à passagem de sucessivas boiadas no Parlamento ora deitada mascando capim, ora abrindo alegremente a porteira.
Eleito com promessas ambiciosas nas áreas de clima, desmatamento e direitos indígenas, Lula concentra sobre si expectativas imensas da comunidade internacional. Espera-se que sua liderança na presidência do G20 e da COP30 ajude a catalisar uma transformação social e econômica para um novo modelo de desenvolvimento, igualitário e carbono-neutro.
A essa expectativa contrapõe-se a realidade de um governo que vem rifando a agenda socioambiental sem hesitar nas negociações com o Parlamento. Passa da hora de Lula entender que liderança climática não é um bufê onde se escolhe o que pôr no prato e o que deixar de fora.
Os ruralistas e a extrema direita já mostraram que têm apetite, coesão e votos para implementar toda a sua agenda legislativa, cujo objetivo é materializar a destruição nacional praticada de 2019 a 2022 e interrompida nas últimas eleições. O Código Florestal é um exemplo, mas para Suas Excelências o Inferno é o limite. Lula deveria evitar descer com eles até lá.
Marcio Astrini é secretário executivo do Observatório do Clima, rede de 107 organizações da sociedade civil; Mariana Lyrio é assessora de Incidência Política do Observatório do Clima